Publicado em: 13/11/2020 18:30:09
Texto compartilhado pelas redes sociais mistura fato e ficção para exaltar família real brasileira
Por LUCAS CALDEIRA
Uma publicação do mês de abril deste ano, a respeito de um texto que aponta fatos e curiosidades sobre a família real brasileira, que até então os professores de história nunca haviam ensinado aos seus alunos, voltou a circular no Facebook agora em outubro. Uma delas, por exemplo, afirma que na casa de veraneio em Petrópolis, Princesa Isabel ajudava a esconder escravos fugidos e arrecadava numerários para alforria-los. Segue abaixo o texto da publicação na íntegra:
CERTAMENTE SEU PROFESSOR DE HISTÓRIA NÃO TE ENSINOU ISSO NA ESCOLA
Santos Dumont almoçava 3 vezes por semana na casa da Princesa Isabel em Paris.
A ideia do Cristo na montanha do Corcovado partiu da Princesa Isabel.
A família imperial não tinha escravos. Todos os negros eram alforriados e assalariados, em todos os imóveis da família. D. Pedro II tentou ao parlamento a abolição da escravatura desde 1848. Uma luta contra os poderosos fazendeiros por 40 anos.
D. Pedro II falava 23 idiomas, sendo que 17 era fluente.
A primeira tradução do clássico árabe “Mil e uma noites” foi feita por D. Pedro II, do árabe arcaico para o português do Brasil.
D. Pedro II doava 50% de sua dotação anual para instituições de caridade e incentivos para educação com ênfase nas ciências e artes.
D. Pedro Augusto Saxe-Coburgo era fã assumido de Chiquinha Gonzaga.
Princesa Isabel recebia com bastante frequência amigos negros em seu palácio em Laranjeiras para saraus e pequenas festas. Um verdadeiro escândalo para época.
Na casa de veraneio em Petrópolis, Princesa Isabel ajudava a esconder escravos fugidos e arrecadava numerários para alforriá-los.
Os pequenos filhos da Princesa Isabel possuíam um jornalzinho que circulava em Petrópolis, um jornal totalmente abolicionista.
D. Pedro II recebeu 14 mil votos na Filadélfia para a eleição Presidencial, devido sua popularidade, na época os eleitores podiam votar em qualquer pessoa nas eleições.
Uma senhora milionária do sul, inconformada com a derrota na guerra civil americana, propôs a Pedro II anexar o sul dos Estados Unidos ao Brasil, ele respondeu literalmente com dois “Never!” bem enfáticos.
Pedro II fez um empréstimo pessoal a um banco europeu para comprar a fazenda que abrange hoje o Parque Nacional da Tijuca. Em uma época que ninguém pensava em ecologia ou desmatamento, Pedro II mandou reflorestar toda a grande fazenda de café com mata atlântica.
• Quando D. Pedro II do Brasil subiu ao trono, em 1840, 92% da população brasileira era analfabeta.
Em seu último ano de reinado, em 1889, essa porcentagem era de 56%, devido ao seu grande incentivo a educação, a construção de faculdades e, principalmente, de inúmeras escolas que tinham como modelo o excelente Colégio Pedro II.
• A Imperatriz Teresa Cristina cozinhava as próprias refeições diárias da família imperial apenas com a ajuda de uma empregada (paga com o salário de Pedro II).
• (1880) O Brasil era a 4º economia do Mundo e o 9º maior Império da história.
• (1860-1889) A média do crescimento econômico foi de 8,81% ao ano.
• (1880) Eram 14 impostos, atualmente são 98.
• (1850-1889) A média da inflação foi de 1,08% ao ano.
• (1880) A moeda brasileira tinha o mesmo valor do dólar e da libra esterlina.
• (1880) O Brasil tinha a segunda maior e melhor marinha do Mundo, perdendo apenas para a da Inglaterra.
• (1860-1889) O Brasil foi o primeiro país da América Latina e o segundo no Mundo a ter ensino especial para deficientes auditivos e deficientes visuais.
• (1880) O Brasil foi o maior construtor de estradas de ferro do Mundo, com mais de 26 mil km.
• A imprensa era livre tanto para pregar o ideal republicano quanto para falar mal do nosso Imperador.
"Diplomatas europeus e outros observadores estranhavam a liberdade dos jornais brasileiros" conta o historiador José Murilo de Carvalho.
Mesmo diante desses ataques, D. Pedro II se colocava contra a censura. "Imprensa se combate com imprensa", dizia.
• O Maestro e Compositor Carlos Gomes, de “O Guarani” foi sustentado por Pedro II até atingir grande sucesso mundial.
• Pedro II mandou acabar com a guarda chamada Dragões da Independência por achar desperdício de dinheiro público. Com a república a guarda voltou a existir.
• Em 1887, Pedro II recebeu os diplomas honorários de Botânica e Astronomia pela Universidade de Cambridge.
• A mídia ridicularizava a figura de Pedro II por usar roupas extremamente simples, e o descaso no cuidado e manutenção dos palácios da Quinta da Boa Vista e Petrópolis. Pedro II não admitia tirar dinheiro do governo para tais futilidades. Alvo de charges quase diárias nos jornais, mantinha a total liberdade de expressão e nenhuma censura.
• D. Pedro II andava pelas ruas de Paris em seu exílio sempre com um saco de veludo ao bolso com um pouco de areia da praia de Copacabana. Foi enterrado com ele.
Fonte: Biblioteca Nacional RJ, IMS RJ, Diário de Pedro II, Acervo Museu Imperial de Petrópolis RJ, IHGB, FGV, Museu Nacional RJ, Bibliografia de José Murilo de Carvalho.
A publicação cita suas respectivas fontes e diversos fatos bastante curiosos, mas também duvidosos. Será que isso tudo é verdade mesmo? Com intuito de evidenciar um lado perfeito da família real brasileira nunca exposta ao público, o texto chega a ser convincente, de certo modo Aruana vê a necessidade de checar e apurar as informações. Vamos lá?
#Fake
Um dos métodos de checagem de Aruana consiste em acessar a fonte original de onde veio a informação, fazer levantamentos e comparações. Também é um dos métodos verificar via buscadores se a informação já foi publicada, comentada ou checada em outros locais da internet. Nessa checagem, esse foi o caso.
A informação compartilhada já havia sido compartilhada diversas vezes via WhatsApp em 2019, surgindo um motivo para a iniciativa aosfatos.org checar as informações duvidosas. O corpo do texto é o mesmo publicado pelo Facebook em abril deste ano. A lista conta com 32 tópicos, todos eles exaltando a família real brasileira. Aos Fatos verificou cada um deles e chegou a uma conclusão.Foram consultadas quatro obras biográficas, sendo elas Asas da Loucura - A Extraordinária Vida de Santos Dumont, de Paul Hoffman (2010), As Barbas do Imperador: Dom Pedro II, um Imperador dos Trópicos, de Lilia Moritz Schwarcz (1998), O Castelo de Papel: Uma História de Isabel de Bragança, Princesa Imperial do Brasil, e Gastão de Orléans, Conde d’Eu, de Mary Del Priore (2013) e Dom Pedro II: Imperador do Brasil, de Benjamin Mossé e José Maria da Silva Paranhos Júnior (1889). Foram consultados também o historiador e membro da ABL (Academia Brasileira de Letras) José Murilo de Carvalho, e o Museu Imperial de Petrópolis, além de registros na imprensa.
Dos tópicos apurados, muitos deles além de falsos, são distorcidos. O texto tem uma necessidade de fazer com que a família real brasileira seja bem vista, o que não é verdade das diversas citações e menções feitas a respeito do passado da família imperial. Foram obtidos após a apuração, 5 tópicos com falsas afirmações, 6 distorcidas e 7 que são fatos. É falso, por exemplo, que Dom Pedro II havia tentado ao parlamento a abolição da escravatura desde 1848. O texto ainda afirma que tem sido “uma luta contra os poderosos fazendeiros por 40 anos”. Segundo Aos Fatos, não foram encontrados registros que atestem tentativas de dom Pedro II em abolir a escravidão junto ao parlamento a partir de 1848, oito anos depois de assumir a coroa, aos 14 anos. Os fatores como a manutenção do sistema escravocrata era cômoda a família imperial, até porque isso os faziam se manterem no poder. A elite agrária era a favor disso e eles necessitavam do apoio dos mesmos. As pressões feitas por outras nações que já haviam abolido o sistema escravocrata, fizeram com que houvesse mudança nas leis que regiam a escravidão no Brasil, o que fez surgir no país, na ordem cronológica, as seguintes leis: lei do Ventre Livre (1871), lei do Sexagenário (1885) e a Lei Áurea (1888). Um outro fator que prova a falta de veracidade da afirmação feita pelo tópico, é a de que muito antes das medidas tomadas por dom Pedro II, no entanto, o então primeiro-ministro José Bonifácio de Andrada e Silva já havia apresentado ao parlamento brasileiro um projeto de lei que pretendia abolir gradativamente a escravidão. Em 1823, durante uma das reuniões da Assembleia Constituinte convocada por dom Pedro I, o político tentou convencer seus pares de que a abolição seria benéfica sob os pontos de vista social e econômico. Com a dissolução da Constituinte pelo imperador, no entanto, o projeto foi abandonado.
Aos Fatos informa também que, dos 32 tópicos que foram postos na corrente, 13 não puderam ser checadas por falta de dados, documentos e obras que pudessem confirmar ou desmentir a afirmação ou por não abordarem especificamente membros da família real, que é o escopo da checagem. Os tópicos são:
“1. "Uma senhora milionária do sul, inconformada com a derrota na guerra civil americana, propôs a Pedro II anexar o sul dos Estados Unidos ao Brasil, ele respondeu literalmente com dois “Never!” bem enfáticos".
2. "Em 1887, Pedro II recebeu os diplomas honorários de Botânica e Astronomia pela Universidade de Cambridge".
3. "Dom Pedro II andava pelas ruas de Paris em seu exílio sempre com um saco de veludo ao bolso com um pouco de areia da praia de Copacabana. Foi enterrado com ele".
4. "A Imperatriz Teresa Cristina cozinhava as próprias refeições diárias da família imperial apenas com a ajuda de uma empregada (paga com o salário de Pedro II)".
5. "D. Pedro Augusto Saxe-Coburgo era fã assumido de Chiquinha Gonzaga".
6. "(1880) O Brasil era a 4º economia do Mundo e o 9º maior Império da história."
7. "(1860-1889) A média do crescimento econômico foi de 8,81% ao ano."
8. "(1880) Eram 14 impostos, atualmente são 98."
9. "(1850-1889) A média da inflação foi de 1,08% ao ano."
10. "(1880) A moeda brasileira tinha o mesmo valor do dólar e da libra esterlina."
11. "(1880) O Brasil tinha a segunda maior e melhor marinha do Mundo, perdendo apenas para a da Inglaterra."
12. "(1860-1889) O Brasil foi o primeiro país da América Latina e o segundo no Mundo a ter ensino especial para deficientes auditivos e deficientes visuais."
13. "(1880) O Brasil foi o maior construtor de estradas de ferro do Mundo, com mais de 26 mil km."
Em conclusão, a corrente se trata de um #Fake, pois foram inseridos fatos para dar verossimilhança. Vale ressaltar que, dentro desses tópicos há a existência de números fatos, comprovados por apuração. Por tratar-se de uma informação que já circula durante tempos e já checada por uma iniciativa, a nossa checagem em si tem mais como intuito alertar acerca da boa parte de informações falsas e distorcidas que tal texto ou corrente apresenta.
Fonte: ARUANA